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       Nas últimas semanas tem-se discutido muito sobre o tema , com jornalistas entusiasmados e manchetes otimistas e sensacionalistas: “atenção, atenção, encontraram vida em Vênus”. Calma, existe muita coisa ainda para ser explicada e testada. Então vamos tentar destrinchar um pouco sobre o assunto.

       Primeiro, o que é a tal fosfina que encontraram em Vênus? Qual a importância dessa descoberta? Qual a sua relação com os seres vivos? Ter fosfina significa ter vida?

       Fosfina é um gás tóxico com cheiro de peixe podre, nada agradável. É produzido pela indústria e utilizado na agricultura para eliminar pragas que contaminam grãos e sementes durante o processo de estocagem. Bom, até agora ele não parece ser muito bom para seres vivos, né?

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Pântano terrestre. Fonte: pxhere

       Mas esse gás também é encontrado em grandes concentrações em ambientes anaeróbios, ou seja, sem oxigênio, de decomposição de matéria orgânica, tais como pântanos, lamaçais e cemitérios. A parte mais interessante é que são microrganismos que produzem esse gás nesses locais, ou seja, bactérias e fungos estão produzindo esse gás em grande quantidade naturalmente. Pouco se sabe sobre como ocorre essa produção, quais são os micróbios que o produzem e como é a via de atividade da fosfina. Então ainda existem muitas coisas para serem estudadas. 

       Como este gás é produzido em grandes concentrações por seres vivos, então ele foi definido como um biomarcador, ou seja, dependendo da quantidade e da maneira encontrada ele PODE indicar presença de vida. Outros biomarcadores importantes são a clorofila, melanina e carotenóides, que são pigmentos produzidos exclusivamente por seres vivos, como a clorofila verde em plantas e melanina negra em fungos e animais. Não podemos esquecer também do gás metano, que na Terra é produzido em grande quantidade por seres vivos. 

      Assim, quando procuramos por sinais de vida fora da Terra buscamos por esses biomarcadores. Cientistas fazem isso através de telescópios estudando a luz dos planetas, uma técnica chamada espectroscopia. Dessa forma conseguem analisar e identificar diferentes tipos de moléculas, inclusive a fosfina. Também é possível identificar a composição de outros gases na atmosfera desses planetas, descobrindo se existe oxigênio e gás carbônico na atmosfera de Marte, por exemplo.

     Dessa maneira conseguimos entender a importância dessa molécula na busca de vida fora do nosso planeta. Mas e Vênus? Qual a razão de tanto entusiasmo de ter encontrado a fosfina nesse planeta tão perto da Terra? Principalmente por que já foi encontrado fosfina em outros planetas, como nos gigantes gasosos, Saturno e Júpiter. 

Vênus e a Terra são similares em tamanho, com Vênus possuindo 12.104 km de diâmetro e a Terra 12.742km.

Imagem de: Snappygoat.com

       Vênus, é o planeta mais quente do Sistema Solar, podendo chegar a 460ºC na superfície, mas a temperatura se torna mais amena conforme vai subindo na atmosfera venusiana, podendo chegar a 40-60ºC em torno de 50-55 km de altitude, exatamente na região onde se encontra uma gigante nuvem contínua que recobre o planeta inteiro. E foi exatamente neste local que foram encontrados indícios de fosfina. Assim, a hipótese de vida nas nuvens venusianas ganhou força, já que outros cientistas renomados já haviam levantado essa possibilidade, tal como Carl Sagan. Mas poderia haver algum tipo de ser vivo sobrevivendo nas nuvens? Na Terra, existem microrganismos que passam uma parte do seu ciclo celular em nuvens, muitas vezes em forma de esporos, ou seja, desidratados e com seu metabolismo inativo. No nosso planeta, esses “seres nas nuvens” são tão importantes que podem ser conhecidos como nucleadores de gelo, assim, graças a eles muitas nuvens se formam e precipitam em forma de chuva. 

      Mas poderia o mesmo estar ocorrendo nas nuvens de Vênus? Temperatura amena e presença de fosfina nas nuvens poderia indicar a possibilidade de vida nesse local, mas essas nuvens são carregadas de gotículas de ácido sulfúrico. Até o momento não sabemos como moléculas orgânicas e até mesmo seres vivos poderiam se manter estáveis em tal condição, apesar de já conhecermos micróbios, conhecidos como acidófilos (que “gostam” de ácidos), que vivem em locais muito ácidos, como nas fontes  geotérmicas de Dallol, na Etiópia, onde o pH pode ficar entre 0 - 1,7 devido à presença de 5% de ácido sulfúrico nas piscinas de águas termais.

Venus clouds

Ilustração das nuvens venusianas. Fonte: Astronomy.com

       Por Vênus ser um local tão inóspito, poucas sondas conseguiram analisar esse planeta, muitas delas durante o final da década de 60. Dessa maneira, pouco se sabe sobre as condições ambientais do planeta, tal como a distribuição dos gases na atmosfera e estruturas geológicas. Mas, análises minuciosas foram feitas para se determinar a possibilidade da fosfina estar sendo produzida por um mecanismo químico abiótico, ou seja, sem a presença de vida, como ocorre em Saturno e Júpiter. Mas até o momento não foi determinado como ocorre a produção de fosfina nas nuvens de Vênus, nem de maneira abiótica e nem biótica, com a presença de vida. Independente da conclusão, esse achado é inédito, mas devemos ser cautelosos e estudar o planeta mais a fundo, não somente com o uso de telescópios, mas também enviando possíveis missões para as nuvens venusianas, como balões estratosféricos (balões que ficam na alta atmosfera, cerca de 30 km de altitude), para analisar e coletar amostras da região. Além disso, experimentos para avaliar a resistência de microrganismos em condições semelhantes a Vênus devem ser conduzidos em laboratórios para poder verificar a possibilidade de seres vivos sobreviverem em locais extremos, tal como as nuvens ácidas venusianas. 

 

E aí, malas prontas para as nuvens venusianas? Compartilhe esse post!

Esse texto foi escrito por Ana Carolina Carvalho, conhecida como "Carola". Carola é biomédica, doutora em Biotecnologia e Microbiologista. Atualmente, estuda a aplicação de leveduras selvagens (encontradas na natureza) em astrobiologia dentro do contexto de exploração espacial na Universidade de São Paulo.

A Carola é também uma das responsáveis pela formulação da cerveja exclusiva do Pint of Science! No Pint Online você pode conferir mais sobre esta história e acompanhar o lançamento da cerveja!

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Referências:

Bains, William, et al. "Phosphine on Venus Cannot be Explained by Conventional Processes." arXiv preprint arXiv:2009.06499 (2020).

Cockell, Charles S. "Life on venus." Planetary and Space Science 47.12 (1999): 1487-1501.

Greaves, Jane S., et al. "Phosphine gas in the cloud decks of Venus." Nature Astronomy (2020): 1-10.

Seager, Sara, et al. "The Venusian lower atmosphere haze as a depot for desiccated microbial life: a proposed life cycle for persistence of the venusian aerial biosphere." Astrobiology(2020).

Sousa-Silva, Clara, et al. "Phosphine as a biosignature gas in exoplanet atmospheres." Astrobiology 20.2 (2020): 235-268.


https://www.forbes.com/sites/brucedorminey/2020/09/28/low-cost-privately-funded-balloon-mission-could-scope-out-venus-life-by-2022/#ea1495c17064