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Se você leu o texto da semana passada, muito provavelmente ficou se perguntando: “Se a ciência pode ser frágil, por que ainda confiamos tanto nela? Por que a maioria das decisões é tomada de acordo com o que cientistas dizem?”. E a resposta é simples: de todas as opções que temos, a ciência, com todas suas limitações, ainda é a melhor.

            Na pós-graduação tive um professor que dizia duas coisas essenciais: 1) para fazer ciência precisamos abrir mão da certeza e da verdade; 2) a ciência não diz que você está certo sobre as coisas, mas o quanto você corre o risco de errar. Estas são perspectivas valiosas porque desmistificam a ideia de que as pesquisas podem trazer verdades absolutas, sem deixar de destacar os pontos fortes desse método de análise. É crucial tirarmos o “peso” da obrigação de encontrar a verdade, permitindo assim tomarmos decisões a partir da probabilidade de cometer erros.

            Por causa das limitações do método científico, diversas estratégias para identificar e diminuir vieses foram desenvolvidas. A palavra viés normalmente é usada para se referir a algum tipo de inclinação, mas em ciência ela normalmente indica alguma influência que não gostaríamos que agisse sobre os resultados. Um viés pode partir de erros metodológicos ou de algum fator que diminua a confiabilidade final dos resultados. Alguns estudos também identificam quais fatores, e o quanto, influenciam em um determinado efeito (por exemplo o aumento ou diminuição no sucesso de um tratamento). Além disso, nos casos em que não é possível controlar alguma variável, os vieses podem ser levados em consideração ao discutir os achados do estudo, sendo interpretados como uma limitação. É impossível realizar pesquisas perfeitas, mas estando cientes de quais respostas cada trabalho é capaz de fornecer, com base nas limitações dos métodos e quais fatores podem ter influenciado os resultados, podemos tomar decisões que vão além do simples “funciona” ou “não funciona”.

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Imagem de pessoa estudando em uma biblioteca. Fonte: Flickr

             Ainda sobre o cuidado para obter resultados mais confiáveis, podemos destacar estratégias adotadas no desenvolvimento de remédios e vacinas. Estas pesquisas devem seguir algumas normas e etapas pré-definidas, iniciando com estudos “in vitro” que avaliam as moléculas isoladamente. Em seguida vem os testes em culturas de células, depois em modelos animais, e só depois iniciam-se os testes em humanos. Em todas as etapas, tanto a eficácia dos tratamentos quanto a sua segurança para uso em larga escala são avaliados, contando com a atuação dos comitês de ética para garantir que a pesquisa está sendo realizada adequadamente e não coloca os voluntários em risco.

            Vários tipos de estudos comparam o resultado dos tratamentos com um grupo chamado de placebo [1]. O grupo placebo recebe alguma substância que não tem atividade biológica e serve para testar o efeito da “expectativa” com o tratamento, pois, como vimos no texto anterior, a expectativa de um efeito (tanto por parte de quem aplica a intervenção, quanto de quem recebe) é capaz de induzir melhora. Para ser aprovada como tratamento, uma substância/intervenção deve ser, no mínimo, mais eficaz que o placebo, e igualmente (ou mais) eficaz que outros tratamentos disponíveis.

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Imagem de uma folha de papel, caixa e blister de comprimidos de Placebo. Fonte: Creative Commons

            O método científico também oferece diversas vantagens pela maneira como preconiza a construção do conhecimento. Todo conhecimento científico é passível de contestação, e para ser aceito, deve, repetidamente, fornecer resultados favoráveis. Além disso, o método científico opera a partir da falseabilidade. Isso significa que para um estudo ser realizado sob essa perspectiva, sua hipótese precisa poder, necessariamente, ser testada. O conceito foi proposto pelo filósofo da ciência Karl Popper, que acreditava que teorias que não podem ser refutadas devem ser consideradas como mitos, e não como ciência [2]. Isto se soma à importância que damos à reprodutibilidade e replicabilidade [3] dos resultados, ou seja: o resultado de um único estudo, embora traga contribuição relevante, não é suficiente para colocar um ponto final naquele assunto independentemente da qualidade do mesmo. As hipóteses vão sendo cada vez mais aceitas (e futuramente se tornam teorias) à medida em que seus resultados são reproduzidos diversas vezes, em diferentes condições, grupos de pesquisa e locais do mundo. Dessa forma, a confiabilidade é muito mais alta por se basear em evidências mais sólidas em vez de crenças individuais ou resultados isolados.

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Imagem do filósofo da ciência Karl Popper. Fonte: reprodução.

            Para entender melhor o papel da ciência na nossa sociedade, é importante entendermos o que ela é, o que não é, e quais respostas é capaz de fornecer, sabendo que ela pode sim fornecer muitas respostas. É fundamental analisarmos cuidadosamente os resultados das pesquisas levando em conta quais perguntas buscavam responder, se os métodos foram adequados, suas limitações e aplicabilidades. Lidar com esse tipo de informação exige maturidade e consciência das próprias crenças para que a ciência possa cumprir sua função adequadamente. Apesar dos desafios, quando obtemos êxito em usar a ciência como a boa ferramenta que ela é, uma série de avanços benéficos à humanidade são alcançados – desde novas tecnologias até o aumento na expectativa e qualidade de vida.

    

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Este texto foi escrito por Natália Simionato, biomédica formada pela Universidade Federal de São Paulo e Mestre em Ciências pelo programa de pós-graduação em Psicobiologia pela mesma universidade. Estuda os efeitos da discriminação de gênero no trabalho sobre a saúde mental de mulheres.

       

Fontes

[1] https://www.uol.com.br/vivabem/reportagens-especiais/especial-placebo/#cover

[2] https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm

[3] https://revistapesquisa.fapesp.br/mecanismos-de-autocorrecao-da-ciencia/

 Capa: The Guardian