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Uma retratação é a remoção de um artigo científico e a marcação dele como um artigo retratado. A retratação ocorre quando há suspeita e/ou confirmação de condutas antiéticas como falsidade de dados, falta de consentimento dos participantes, problemas metodológicos, dados clonados, plágio entre outros. Mas ocorre também quando o artigo é falacioso e falta arcabouço teórico para tais afirmações e quando há forte viés, conflito de interesses e dados tendenciosos. Também está incluso a retirada de pré-prints. Um pré-print é um artigo que foi submetido para uma revista científica, mas ainda não passou por revisão por outros cientistas e correções do editor.

       O processo de revisão por pares é bastante importante, pois outras pessoas que não participaram do trabalho, mas são daquela área de pesquisa podem fazer críticas e comentários ao trabalho feito e a discussão levantada. Devido a urgência na saúde pública que a pandemia trouxe, a publicação e valorização de pré-prints se tornou comum. Entretanto, muitos artigos enviados para publicação foram removidos antes de irem ao ar.

       O Top 10 foi traduzido e adaptado da revista The Scientist, e é um trabalho do time “Retraction Watch” fundado por Ivan Oransky e Adam Marcus! Siga eles no Twitter @RetractionWatch, e se inscreve para receber notícias sobre as retratações em tempo real em daily newsletter.

  1.  A retratação mais escandalosa foi a de duas grandes e conhecidas revistas científicas “The Lancet” e “The New England Journal of Medicine”, que foram forçados a remover artigos que usavam dados de uma emoresa questionável chamada Surgisphere e que recusaram dividir seus resultados com os coautores e editores envolvidos. Antes de ser descreditado, o artigo da Lancet teve uma influência tremenda que leou inclusive a suspensão dos testes clínicos com hidroxicloroquina feitos pelo projeto Solidariedade da Organização Mundial da Saúde. Um terceiro estudo, ainda em fase de pré-print da Surgisphere também for derrubado do servidor SSRN por pedido de um coautor. Este terceiro estudo tratava de efeitos do antiparasitário ivermectina para tratar COVID-19. Falamos sobre os testes da OMS e a ivermectina no post passado, aqui.
  2. Ainda que as conclusões de que a hidroxicloroquina teria aumentado a mortalidade tenham sido abandonados, o medicamento foi centro de outras retratações e numerosos estudos (que não foram retratados) mostraram sua ineficácia depois. Este pré-print sobre hidroxicloroquina foi veiculado pela Fox TV dos Estados Unidos e usado pelo então presidente Donald Trump para incentivar o uso do medicamento mas foi prontamento retirado.
  3. O “Asian Journal of Medicine and Health” (AJMH) foi acusado por pesquisadores europeus de conduta predatória por publicar um artigo redondamente criticado sobre hidroxicloroquina e ainda um artigo falso propondo que o SARS-CoV-2 era “inesperadamente mais mortal do que patinetes” e que a hidroxicloroquina seria a “única solução”. Sim, você leu certo, patinetes. O artigo falso comparando o coronavírus a patinetes foi uma ação dos pesquisadores europeus para revelarem a conduta predatória, a publicação sem discrição, rigor ou método que estava sendo feita pelo jornal. A revista ficou indignada pela crítica, e retiraram o artigo sobre patinetes mas manteve o artigo inicial que realmente tenta oferecer a hidroxicloroquina como única solução.
  4. Na mesma semana das retratações da Surgisphere, o “Annals of Internal Medicine” retrocedeu na publicação de um artigo altamente citado que clamava que máscaras não eram efetivas em prevenir a transmissão e contágio por SARS-CoV-2. O artigo se tornou uma estrela de noticiários e mídia infelizmente, sem nunca citar que se baseava em dados de quatro pessoas.
  5. Enquanto para alguns artigos faltava teoria ou dados, para outros faltava bom senso. Houve um artigo que afirmava que a COVID-19 era o resultado de redes 5G (de internet). O artigo foi rapidamente retratado e recebeu o título de “pior artigo de 2020” pela detetive de dados Elisabeth Bik.
  6. Na categoria “não foi retratado mas não deveria nunca ter sido publicado” há um capítulo de livro que diz que a pandemia foi trazida para a Terra de carona por um meteorito.
  7. Ainda no pensamento místico e fantástico, “Science of the Total Environment” publicou um artigo falando que amuletos poderiam afastar a COVID-19 (spoiler: não podem). Depois de tumultos no Twitter alertando a loucura, os coautores do artigo pediram pela retratação.
  8. A revista “PLOS ONE” fez uma notificação de preocupação sobre um artigo publicado em setembro sugerindo que vitamina D poderia proteger contra COVID-19 severa. A notificação ocorreu depois de Gideon Meyerowitz-Katz, epidemiologista na Austrália, que apontou entre outros problemas do estudo que o pequeno número de pacientes parecia er um efeito na verdade nulo.
  9. Após um pré-print que utilizava dados epidemiológicos da China foi removido, pesquisadores do Imperial College de Londres corrigiram um artigo em que usavam o banco de dados chinês para fazer previsões para o Reino Unido e para os Estados Unidos. Usando os dados então disponíveis, os autores calcularam que meio milhão de pessoa poderiam morrer por COVID-19 no Reino Unido sem medidas mais rígidas de restrição. Os pesquisadores britânicos impulsionaram medidas de restrição que foram empregadas no país.
  10. A revista “Cellular & Molecular Immunology” demorou apenas três dias para aceitar um artigo sobre como a COVID-19 poderia infectar leucócitos (células brancas do sangue, as células de defesa) com estratégia similar a do vírus da imunodeficiência humana HIV. E então demorou três meses para retratar depois de um pesquisador enviar uma carta criticando o estudo. O crítico da carta, Leonardo Ferreira, tuítou que não foram utilizadas no estudo células T (um tipo de leucócito) humanas e que os dados da citometria de fluxo para infecção viral haviam sido erroneamente interpretados.

Mas nem tudo foi sobre o coronavírus! Aqui, há uma seleção de 5 retratações fora da temática COVID-19:

  1. Alguns artigos aproveitaram 2020 para publicar artigos ofensivos. Em junho, o jornal científico alemão “Angewandte Chemie” retratou uma composição em que o pesquisador Tomas Hudlicky da Universidade de Brock lamentava sobre os esforços para trazer diversidade ao campo de pesquisa. Ao todo, 16 membros do jornal se resignaram em protesto e dois foram suspensos.
  2. A revista “Journal of Vascular Surgery” publicou um artigo argumentando que médicos que postam fotos deles próprios em roupas casuais ou de banho agem de forma “potencialmente antiprofissional. O artigo trazia suposições machistas e fora da realidade, e engatilhou protestos pelo Twitter e a tag #medbikini além de um pedido de desculpas da revista.
  3. Entre os autores do artigo sobre 5G e COVID-19 estava Massimo Fioranelli, cujo nome também aparece em outros cinco artigos retratados em uma edição especial da revista “Macedonian Journal of Medical Sciences” que trata principalmente sobre dermatologia. Um dos artigos falava que “Um buraco negro no centro da Terra atua como um grande sistema de telecomunicação para conectar DNAs, DNAs escuros e moléculas de água em uma dobra múltipla dimensional 4+N”.
  4. Outro caso notável foi o de “Jonathan Pruitt”, um cientista canadense que estuda sociologia em aranhas. Um dos coautores de Pruitt preocuopou-se com a veracidade dos dados e organizou uma investigação que resultou na retrtação de oito artigos até o momento, e a investigação segue.
  5. O caso de Pruitt foi um entre vários de cientistas que publicaram suas retratações de forma aberta, algo que outrora era tido como um motivo de vergonha. Kate Laskowski, coautora de trabalhos do Pruitt anunciou a retratação em seu blog e o ganhador do prêmio Nobel Frances Arnold da Caltech anunciou a retratação de um artigo na revista famosa “Science” antes mesmo da revista publicar a notificação.

       Esperamos ter te dado algumas risadas e colocado uma pulga atrás na orelha! Ciência não é sobre criar certezas, mas construir o conhecimento de forma coletiva, organizada e revisada. Não é porque um médico de algum lugar fez um vídeo falando que vacinas vão te “microchipar” que é verdade. Não aceite de primeira o argumento do especialista, agora você já sabe que tem muito especialista por aí falando e publicando bobagens que não são embasadas em ciência, mas em opiniões e interesses pessoais.

Para saber mais sobre como funciona a metodologia e publicação de artigos científicos, recomendamos esse vídeo do Nunca Vi Um Cientista. 

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 Esperamos que todos tenham boas festas, com saúde e ciência! O blog do Pint of Science retorna as atividades no dia 06 de janeiro de 2021!